Medicina baseada em evidência na ortopedia e traumatologia

Autores

  • Luiz Sergio Martins Pimenta Hospital do Servidor Público Estadual de São Paulo (HSPE), São Paulo, SP, Brasil

Resumo

Tenho 50 anos de convivência com a Ortopedia e Traumatologia. Sempre procurei me manter atualizado com a minha profissão, não só com a minha subespecialidade - Cirurgia do Tornozelo e Pé, como também sempre tive enorme interesse no tratamento do Trauma Ortopédico, pois sempre o pratiquei em toda minha vida.

Revelo que, ultimamente, tenho tido grande dificuldade em entender certas revistas que insistem em publicar artigos extremamente complexos, com estudos estatísticos acima de qualquer compreensão, para um leitor de média compreensão em bioestatística, com suas fórmulas e testes de conhecimento limitado àqueles que exercem essa profissão. Além dos tediosos e enfadonhos questionários de resultados e qualidade de vida, como o SF 36, 12, DASH, etc.

Até entendo que, teses e trabalhos apresentados em concursos de doutorado e livre-docência, tenham que ter uma análise estatística precisa e minuciosa, mas não entendo essa exigência para publicação de um artigo numa revista da especialidade, fora que os ditos artigos - Estudos Clínicos Randomizados e Controlados (ECRC) são considerados os primeiros na hierarquia dos estudos desse tipo. Também tenho lido diversos artigos com críticas a esse tipo de controle dos artigos pelas revistas especializadas que consideram os ECRC únicos na escala de evidência, desprezando todos os outros tipos de publicação que não tenham essa chancela: estudos coorte prospectivos, estudos observacionais,
série de casos, opinião do expert são considerados de segunda categoria, e nem entram nas revisões sistemáticas e metanálises publicadas. Voltando aos ECRC, como um leitor médio de análises estatísticas, percebo que mesmo com a complexa análise estatística, nem sempre os vieses são corrigidos. Vejamos:
1. Quanto à seleção de pacientes:
A) Muitos desses artigos não citam o rigor dos critérios de inclusão e exclusão, extremamente importantes na verificação da homogeneidade da amostra;
B) Outro ponto: são citados médias de idade, mas não especificam se há maioria de um grupo sobre outro, como, por exemplo, idosos e adultos jovens. Não se pode esperar a mesma resposta em pacientes com idades tão diferentes.
C) Por mais que a análise estatística tente homogeneizar a amostra, não há como homogeneizar comportamentos diferentes dos pacientes em relação ao tratamento, pois há diferentes personalidades envolvidas no mesmo. Não se trata de robôs e sim de seres humanos com toda sua complexidade.

2. Quanto às análises estatísticas:
A) Os resultados desses estudos não são fáceis de interpretar. Se a técnica estatística é tão complicada que o leitor de média compreensão não consegue seguir os resultados, então o “design” do estudo pode ser tão complexo e as diferenças podem não ser clinicamente aparentes1.
B) A população de pacientes de trauma é tão complexa, envolvendo várias comorbidades e características das lesões, que não conseguimos compreender todas as interações entre pacientes e resultados. Finalmente, em razão da natureza restritiva dos pacientes envolvidos, populações dos ECRC, na maioria das vezes, não reflete a complexidade e diversidade da prática diária2.
3. Quanto ao cirurgião ortopedista:
A) Nem todos os ortopedistas têm a mesma habilidade e experiência no tratamento dos pacientes. Isso é evidente e indiscutível. A “expertise” cirúrgica é real, portanto, ECRC não podem ser a melhor escolha para estudos ortopédicos. Querer generalizar os resultados não tem sentido já
que os envolvidos têm grau diferente de expertise. Mesmo os estudos multicêntricos, geralmente os cirurgiões que participam são os mais experientes e habilitados. Não há heterogeneidade necessária nessa amostragem de tratamento.

Enfim, poderia citar outros vieses nesses estudos, já citados em alguns trabalhos3-5.

Em Medicina, um típico estudo comparando uma droga A com uma droga B, é reproduzível e simples. Já, em um estudo cirúrgico, a intervenção aborda a experiência cirúrgica total envolvendo o posicionamento, a via de acesso, a dissecção, a redução, a fixação, e o fechamento, cada etapa podendo ser feita de diferentes maneiras, conforme a preferência do cirurgião. São muitas variáveis para querer padronizar procedimentos amplamente diferentes. Pode ser que daqui há alguns anos, esse meu artigo esteja defasado, com a melhoria desses
estudos randomizados controlados ou que o curso médico institua e exija o conhecimento da bioestatística a fundo como um expert!!!

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Referências

Harvey EJ, Martineau PA, Schemitsch E, Nowak LL, Agel J. Evidence-Based Medicine: Boom or Bust in Orthopaedic Trauma? J Bone Joint Surg Am. 2020 Jan 15;102(2):e6.

Poolman RW, Struijs PA, Krips R, Sierevelt IN, Lutz KH, Bhandari M. Does a “Level I Evidence” rating imply high quality of reporting in orthopaedic randomised controlled trials? BMC Med Res Methodol. 2006 Sep 11;6:44.

Laupacis A. Methodological studies of systematic reviews: is there publication bias? Arch Intern Med. 1997 Feb 10;157(3):357-8.

Robinson AHN, Johnson-Lynn SE, Humphrey JA, Haddad FS. The challenges of translating the results of randomized controlled trials in orthopaedic surgery into clinical practice. Bone Joint J. 2019 Feb;101-B(2):121-3.

Eduardo A. Malavolta, Marcio K. Demange et al. Ensaios clínicos controlados e randomizados na ortopedia: dificuldades e limitações. Rev Bras Ortop 2011;46(4):452-9.

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Publicado

2022-12-16

Como Citar

1.
Pimenta LSM. Medicina baseada em evidência na ortopedia e traumatologia. RTO [Internet]. 16º de dezembro de 2022 [citado 19º de setembro de 2024];22(4):1-2. Disponível em: https://rto.emnuvens.com.br/revista/article/view/419

Edição

Seção

Editorial